Deve-se pensar nas etapas da trajetória da sociedade – em que fase se encontra – e de que forma pode-se ajustar o presente como forma de planejar o futuro.
Em 2018, as sociedades de base familiar compunham mais de 90% do perfil societário brasileiro, contribuindo com importante parcela do PIB – quase 65%1. Muito embora relevantes para a manutenção de mais de 70% da força de trabalho e para importante parcela do desenvolvimento da economia nacional, o mesmo levantamento apontou que 70% das sociedades com esse perfil encerram suas atividades após a morte do fundador. Ressalta-se, inclusive, que esse não é um problema apenas do perfil societário brasileiro, uma vez que, segundo a PWC, em âmbito global apenas 19% das empresas familiares resistem à terceira geração2.
Tal fato se deve ao próprio perfil imediatista das tomadas de decisão empresariais, que em geral, deixa de alocar planejamentos a longo prazo como prioritários para o desenvolvimento dos negócios. Nesse aspecto, quando a prioridade está relacionada às questões sucessórias, a continuidade das empresas familiares, normalmente enfrenta maiores riscos quando comparada às de capital aberto, dada a importância da pessoa do sócio/fundador para o desenvolvimento da atividade.
Pensando no planejamento sucessório, em um primeiro momento, a própria estrutura societária deve ser avaliada. Isso porque, ao observar as constatações de Douglas North (Nobel de Economia de 1993), naquele momento já se havia percebido que as sociedades com matriz institucional sólida são capazes de realizar trocas complexas no decorrer do tempo, sem prejuízo de suas estruturas3.
O objetivo é, portanto, através da estrutura societária, criar alicerce para que a sociedade possa suportar alterações repentinas de contexto com maior estabilidade. Embora o enfoque desta análise seja a sucessão do fundador (principal tomador de decisões), a importância de existirem bases institucionais sólidas envolve não apenas motivos de sucessão. Pode-se citar como exemplo situações como a da pandemia, que impôs a necessidade de adaptação abrupta das empresas ao novo contexto comercial.
A organização e o planejamento de arranjos internos à sociedade, formais e informais, são pressupostos essenciais para que suporte trocas complexas de comando com estabilidade e previsibilidade – como a sucessão do controle. Frente a isso, dois eixos podem ser vislumbrados para que haja certa base de planejamento para a sucessão, (i) a estruturação de órgãos gestores e fiscalizadores e (ii) a formalização e a consolidação da cultura empresarial.
Quanto à estruturação de órgãos gestores relativos a pequenas e médias sociedades de caráter familiar, pode-se tomar como base o regime das sociedades empresárias que buscam densificar sua estrutura, incorporando, por exemplo, conselho de administração, conselho fiscal e organização contábil mais estruturada.
Quanto ao segundo aspecto – a cultura empresarial – talvez seja o elo mais relevante dessa estruturação, quando vislumbrado o planejamento sucessório. Temos aqui exemplo que se enquadra perfeitamente – pelo menos na intenção de se fazer: Norberto Odebrecht, em 1983, 39 anos após a fundação de sua empresa, escreveu a coletânea “Sobreviver, Crescer e Perpetuar”, a fim de sistematizar a Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO)4. Dessa forma, pôde formalizar os princípios e valores básicos a serem observados por todos aqueles que fazem e farão parte de seu negócio.
Assim, para que a sucessão possa cumprir com seu objetivo de perenização da sociedade, há de se estabelecer formalmente os parâmetros básicos da cultura empresarial. Nesse sentido, a tomada de decisões empresariais necessita de certas balizas, as quais podem muito bem ser delimitadas pelos valores que se deseja perpetuar na sociedade.
Consolidada a estrutura e a cultura, parte-se para a forma de implementação do caminho para a sucessão. Nesse ponto, algumas grandes sociedades brasileiras como a própria Odebrecht, a WEG S.A e a Magazine Luíza S.A, por exemplo, mantém no núcleo familiar a gestão. Contudo, às vezes, em função da inexistência de herdeiros ou da renúncia destes em seguir com os negócios da família, depara-se com a impossibilidade de se manter o controle e a gestão no núcleo familiar.
Pode-se, nesse contexto, optar por uma sucessão que preveja gestão profissionalizada ao invés de sucumbir e se juntar ao percentual de sociedades que encerram suas atividades após a morte do fundador.
Exemplo disso é o caso da Termomecânica S.A. (Termomecânica), empresa brasileira líder no setor de transformação de metais não ferrosos. Seu fundador, o engenheiro Salvador Arena, apesar de não possuir herdeiros, elaborou plano sucessório capaz de perpetuar e gerar escala para a empresa.
Nesse caso, foi criada a Fundação Salvador Arena, controladora da Termomecânica, composta por um Conselho Curador de 13 pessoas escolhidas pelo fundador para gerir seus negócios. Dentro desse modelo, a Fundação tem papel essencial na formação de colaboradores.
Em 2017, o Conselho Curador com a pretensão de dar início ao plano de sucessão de seus componentes, criou programa estruturado de formação de líderes, do qual participam empregados de todos os setores da empresa, incluindo não só a capacitação técnica, mas também imersão na cultura, na missão e nos valores da Termomecânica5.
Percebe-se que várias etapas estruturais foram criadas para a implementação desse plano sucessório, que se estabeleceu mediante planejamento de sucessão para implementação de gestão profissionalizada. Frente a isso, para que seja estabelecido qualquer planejamento a longo prazo, há de haver base organizacional estável e cultura empresarial formalizada e difundida entre os colaboradores.
Nesse viés, deve-se pensar nas etapas da trajetória da sociedade – em que fase se encontra – e de que forma pode-se ajustar o presente como forma de planejar o futuro. Em suma, adaptações de contexto exigidas por fatores externos ou internos à sociedade dependem de base sólida o suficiente para que sejam realizadas com manutenção da estabilidade dos negócios.
Julia Pillati – Advogada no escritório Barral, Parente e Pinheiro Advogados.
3 NORTH, Douglass C. Instituições, mudança institucional e desempenho econômico. São Paulo: Três Estrelas, 2018.
5 https://www.panoramadenegocios.com.br/aos-75-anos-termomecanica-preserva-legado-e-aposta-em-inovacao